12/06/2009

Á conversa com Olegário Benquerença


OLEGÁRIO BENQUERENÇA APITOU NO CASINO DA FIGUEIRA A CONVITE DO NOSSO
NÚCLEO DE ÁRBITROS DA FIGUEIRA DA FOZ

Chamam-lhes ‘nomes’, questionam a sua honra, ameaçam os seus familiares. Vida de árbitro não é fácil, garantiu no Casino Figueira Olegário Benquerença, que defende que não existem árbitros corruptos, mas apenas “gente desonesta, como em qualquer outra profissão, que não devia estar na arbitragem”, e cuja carreira “devia ser morta à nascença”. Excepções, nada honrosas, à parte, Olegário Benquerença traçou, no início da palestra, o percurso de um árbitro. “É tudo feito com base no voluntariado”, sublinhou, perguntando à plateia quantos estariam dispostos, aos 17 ou 18 anos, “às vezes mais jovens”, a abdicar das saídas às sextas-feiras à noite com os amigos, “para no dia seguinte acordarem de madrugada para irem arbitrar um jogo do Cova-Gala, ganhar 4 ou 5 euros e ainda uns insultos”. Poucos, certamente.
“Não há meios técnicos, nem humanos nem financeiros para a formação”, acusou, lembrando que “ainda há em Portugal sítios onde a formação é feita sem computadores nem dvd’s, só por carolice”, porque “a arbitragem é vista como um mal necessário, um custo e não um investimento”.
Em Portugal, idealmente, para arbitrar todos os jogos de todas as categorias (incluindo futsal, futebol de praia e futebol feminino) seriam necessários cerca de oito mil árbitros, mas o número existente não ultrapassa os três mil. No início de carreira, ao nível da arbitragem distrital, “às vezes o mesmo árbitro tem que apitar seis ou sete jogos por fim-de-semana; sai de um jogo a correr para o outro, não almoça nem descansa”, sublinhou.
Ainda assim, Portugal tem razões para se orgulhar da sua arbitragem. No topo de carreira existem, actualmente, 25 árbitros, nove dos quais internacionais. “O máximo são dez, e este é um número que só Inglaterra, Itália, Brasil, Espanha e Alemanha atingem… estamos em sexto lugar entre as 212 federações da FIFA, ou seja, estamos melhor no ranking da arbitragem do que estamos no dos clubes, em que estamos em 11.º”, concluiu.
Mas, apesar da falta de árbitros, “não é árbitro quem quer”. Para além das óbvias exigências físicas, é necessária “a capacidade para não ouvir o que se diz num jogo (os insultos)”, espírito de sacrifício, conceito de justiça, capacidade de isenção e resistência face ao stress permanente. “Não é fácil, e daí a elevada taxa de desistência”, explicou. Qual o segredo para chegar ao topo? “Trabalho, espírito de sacrifício, força de vontade, determinação e humildade”, afirmou Olegário Benquerença, assumindo ter “orgulho” no que já atingiu, mas ser “humilde” em relação ao que ainda pretende conquistar. “Ir ao Mundial 2010 é o meu próximo objectivo”, afirmou.

Por que erram os árbitros?

Porque são humanos. Olegário Benquerença provou à plateia que querer agir bem não evita os erros. E demonstrou-o. Utilizando um exercício concebido pelo professor figueirense Rui Matos, da Escola Superior de Educação – Instituto Politécnico de Leiria (ESE-IPL), Olegário Benquerença dividiu a plateia em duas equipas. A cada uma competia contar os passes que, no ecrã gigante, duas equipas (de apenas três elementos cada) davam. O exercício durou apenas alguns segundos, findos os quais Olegário pediu à plateia as respostas, que variaram entre 13 e 17 mas quando o árbitro perguntou se alguém tinha reparado em algo estranho no pequeno filme exibido, apenas dois jovens arriscaram, timidamente, a resposta que deixou os demais surpreendidos: “o macaco”. O macaco?! Olegário Benquerença voltou então a passar o filme. E então todos, sem excepção, conseguiram ver o enorme mascarado de macaco que, quase em câmara lenta, passava entre os jogadores das duas equipas. “Pois é, estavam tão concentrados na tarefa de contar os passes que não viram o macaco. E os que viram certamente não conseguiram contar os passes todos. E estavam aqui, confortavelmente sentados, sem qualquer pressão. E agora, quando num jogo eu não tiver visto aquilo que vocês, em casa, acham tão óbvio, vão conseguir criticar-me da mesma maneira? Vocês, que não conseguiram ver um macaco de quase dois metros no meio de seis jogadores?”, questionou, bem-disposto, Olegário.

Quantas são as Leis de Jogo?

São “apenas” 17. “A Constituição tem muitas mais, o Código Penal então nem se fala”, argumentou o árbitro, “mas nós temos uma fracção de segundo para decidir e temos que as ter na cabeça; nos tribunais têm os livros, demoram dez anos para decidir e mesmo assim, muitas vezes, decidem mal”, ironizou. “A maior parte dos que nos criticam não só não sabem as leis de jogo, como nem sequer sabem quantas são…, desabafou, criticando os “Dias Ferreiras” da segunda-feira.
“Chamem-me incompetente, mas não me chamem desonesto”, pediu. Olegário Benquerença pediu ainda à plateia que lhe dissessem quem é “o melhor jogador do mundo”. À resposta “Cristiano Ronaldo”, o árbitro fez seguir a exibição de um apanhado de erros e gafes gritantes do jogador português. “Pois é, aos jogadores perdoa-se tudo, podem errar desta forma e continuar a ser ‘o melhor do mundo’… então por que é que somos tão críticos e pouco tolerantes em relação à arbitragem?”, questionou.
Já no final da palestra, Olegário Benquerença, em resposta às perguntas da plateia, afirmou ser “ a favor de tudo o que melhore a verdade desportiva”, no que respeita às novas tecnologias em estudo, mas adiantou que nem essas são infalíveis. “Mas sou 100% a favor de tudo o que diminua a suspeição sobre mim”, afirmou, criticando a procura mediática das polémicas, por parte de quem vive do futebol. “No dia em que o futebol acabar, “O Jogo”, “O Record” e a “SporTv” fecham… por isso deviam trabalhar em prol do futebol, e não contra o futebol”, opinou Olegário Benquerença. A fechar a palestra, o árbitro criticou o tipo de jogo português, “os portugueses querem é retardar e protestar com o árbitro, enquanto os espanhóis ou ingleses querem jogar”.

E com mais esta Tertúlia deu-se por encerrado o ciclo de actividades levados a cabo pelo Núcleo de árbitros de Futebol da Figueira da Foz tendo como parceiro o Casino Figueira.

Sem comentários: